#21 | Espresso ou coado?
Como as máquinas italianas de espresso incentivaram uma produção nacional de maquinário para café coado
Olá a todos!
Minhas últimas semanas foram bastante corridas, mas tenho uma boa notícia: meu primeiro artigo sobre História do Consumo do Café foi aceito em uma BAITA revista da área da História, a Revista Acervo do Arquivo Nacional e deve sair agora em agosto. Passei bastante tempo revisando e adequando as sugestões dos pareceristas, o que tomou boa parte dos meus momentos de trabalho e também livres.
Aproveitando que no último post eu falei um pouco sobre a história do café coado, para a edição de hoje vou aproveitar umas reflexões que fiz em uma thread do twitter lá em 2021 (com algumas alterações). Se você me segue por lá talvez já tenha visto; se não segue, bom… considere, mas aviso que pra cada thread de pesquisa dessas eu posto um cazilhão de memes, piadas sem graça, shitpost e outras coisas non-senne. Então, recado dado.
Engraçado como tem tanta gente boa escrevendo sobre os aspectos históricos políticos/econômicos do café, mas é difícil encontrar bibliografia sobre a bebida (todo o motivo dessa minha pesquisa). A história das máquinas de café espresso é um dos casos. Que dificuldade que foi encontrar sobre a trajetória de máquinas no Brasil!
Pra quem não sabe, o espresso foi uma invenção italiana patenteada por um cara chamado Luigi Bezerra em 1901 e, posteriormente comprada por um tal de Desiderio Pavoni. Era uma máquina que aquecia água em uma caldeira à vapor e que, por sua vez, forçava a passagem da água pelo pó de café.
As máquinas eram bem diferentes das espresso atuais, com um design mais "vertical". Mas lembram aquelas que ficam nas padocas, famosas pelo cafezinho de “meia”, não acham?

Essa belezinha foi revolucionária tanto na forma de extrair o café, como também na estética, e rapidamente ganhou lugar de destaque nos balcões de cafeterias italianas nas primeiras décadas do século 20.
[Sobre esse assunto, inclusive, tem uma exposição bem legal que o Museu do Café (Santos — SP) fez em parceria com o Museo della Macchina per Caffè, de Milão. Vale conferir nesse link aqui].
Apesar da preferência brasileira pelo cafezinho coado em filtros de algodão, a novidade não demorou a despontar nos principais centros urbanos. Já em 1918 existem registros dessa "novidade italiana", que em pouco tempo alcançaria diversos bares de São Paulo e Rio de Janeiro.
A febre da década de 1920 pelas máquinas italianas foi grande, principalmente em São Paulo. Por conta da sua rapidez, alavancou a abertura de “Cafés em pé”, como eram chamados os modelos de balcão na época.
Esse tipo de máquina também mudou completamente a forma como esses estabelecimentos se relacionavam com o próprio balcão: antes o café era feito nas cozinhas e fora dos olhos do cliente e, a partir daí a bebida passou a ser feita à vista do consumidor, promovendo as máquinas a um papel central nas cafeterias. Aliás, esse tipo de cafeteria passou a ser chamada de Expresso, pela rapidez e rotatividade do negócio.
Com esse primeiro impulso de consumo do espresso, diversas metalúrgicas nacionais começaram a produzir uma versão 100% voltada para o mercado nacional. Só que tudo leva a crer que essa versão era um tanto diferente da original no seu funcionamento...
Não se sabe bem a razão que mudaram o funcionamento, se não conseguiu-se copiar perfeitamente a tecnologia ou se por outro motivo.
Duas questões: 1) dizia-se que o sabor era horrível, metálico e amargo e 2) era instável e, pela quantidade de vapor que acumulava, eram constantes os acidentes com explosões. Tipo, sério:
Uma das imagens mais famosas dessa fase do espresso é exatamente da explosão de uma máquina. Essa aí debaixo foi usada em uma propaganda da La Pavoni dos anos 1940

Sobre as nacionais, temos poucas informações sobre como essas máquinas funcionavam, mas tudo leva a crer que apesar de sua forma ser muito (MUITO) parecida com as italianas (algumas inclusive copiando as La Pavoni originais), elas se adaptaram à preferência nacional: o café coado.
O PROBLEMA DO CAFÉ EM CHICARAS
O preço exagerado da saborosa infusão – a lucta entre o tradicional coador e a machina expressa – Uma questão que precisa ser resolvida de accordo com o interesse da população
[…]
UMA CURIOSA VOLTA AO ANTIGO
No sentido de documentar a presente reportagem percorremos ha dias alguns dos cafés do centro. E observamos uma peculiaridade digna de nota: uma especie de regresso ao antigo. queremo-nos referir ao velho processo da preparação do café mediante o tradicional coadôr de panno. Como se sabe, a preparação mechanica do café desbancar completa e rapidamente o antigo processo. O chamado “café expresso” surgindo entre nós numa época de intensa actividade citadina estava destinado ao exito que, de facto, obteve. E, em menos de meio anno, as marchinhas de fazer café invadiram a cidade, chegando, mesmo, aos arrabaldes mais distantes. Aliás, tudo justificava o successo. O “café expresso” era bebido de pé, “electricamente” se assim nos podemos exprimir. E esta cirtumstancia a um publico apressado como o nosso, assumia importancia relevante. Mas havia mais. O café preparado mechanicamente era sempre de coação recente, não apresentando aquele intoleravel sabor da infusão requentada. Por todos esses motivos a machina triumphou sobre o coadôr, de panno, como o automovel sobre o carro de bois…
No entanto, e de ha tempos a esta parte, vem-se notando uma reviravolta na predileção do publico, a este respeito. O velho coador voltou á offensiva e o caso é que está dando que fazer ao seu terrivel antagonista. Que processos poz elle em pratica para alcançar os resultados que obtem? Uma cousa muito simples: renovou-se.
Porque é, de facto, um renovamento o que se observa na actual preparação do café pelo systema antigo. O maior inconveniente desse processo consistia, como dissemos, no reaquecimento da infusão o que lhe emprestava um gosto desagradavel. O coadôr renovado eliminou esse inconveniente de uma maneira racional, isto é, não coando enem poucas chicaras de cada vez. Preparado á vista de todos e já sem a desvantagem apontada elle foi aos poucos, pacientemente, reconquistando o favor do publico. E chegou a este resultado estupefaciente: a se fazer admitir, como aparelho complementar nas mesmas marchinhas expressas! De facto, um dos empregados de um café expresso da praça Antonio Prado, respondendo as nossas perguntas apontou-nos triumphante o aparelho:
– Mas, actualmente, as proprias machinhas já têm coadôr! Veja aqui, estes.
Vimos, então, em cada uma das pequeninas torneiras metalicas do aparelho, o nosso velho e glorioso coadôr, dando mostras de si. Era a prova impalpavel da victoria. O antigo vencendo o moderno. Os “mortos” cada vez mais dirigindo os vivos.
A Gazeta (SP). 09 dez. 1931, p.10
Foi nessa possível transição de método espresso para coado essas máquinas aí se popularizaram. Não eram mais só os cafés intelectuais, chiques e europeus que tinham. Aliás, o "expresso" popularizou-se como estabelecimentos de balcão onde trabalhadores tomavam às goladas seus cafés antes, durante e depois do trabalho.
Outra questão é que, enquanto aqui as máquinas mantiveram um modelo vertical com funcionamento interno diverso das originais, na Itália o café espresso mudou. Nos anos 1940 Leo Gaggia introduziria as famosas máquinas de pistão; nos 60, as "horizontais" (como conhecemos hoje) entrariam nos bares.
Enquanto isso no Brasil, a indústria nacional manteria o formato antigo para as máquinas com coador. Quer dizer, você já deve ter visto uma Monarcha num boteco ou numa padoca, não? Esse anúncio é dos anos 50, mas não mudou muito até os dias de hoje, não?
Além disso, tem muitos textos dos anos 1950 que diziam ser poucas as máquinas de espresso italianas aqui no Brasil, que a moda "não pegou". Na busca foi bem difícil até encontrar um termo "café expresso" nessa época que não fossem ligados as cafeterias de balcões, com café coado.
Nos anos 1960 e 1970, quando as máquinas de espresso italianas começaram novamente a ganhar os bares e (de fato) se popularizar, existia até uma diferenciação terminológica: os "expresso" eram os cafés coados populares, enquanto o outro era um tal de "café de máquina” ou “café cremoso”.
O velho hábito do cafezinho apressado no balcão está mais caro desde hoje, quando entra em vigor o preço de Cr$0,60 pela xícara pequena, enquanto a média e o café cremoso passam a custar Cr$0,80. [...]
A Tribuna (RJ). 19 jul. 1974, p.1
De toda forma, toda essa história é muito nebulosa ainda. A gente conseguiu reconstituir parte dela por jornais e documentos. Encontramos pouquíssima literatura sobre o tema, mesmo contemporânea.

Por isso, se conhecerem pessoas que estudam isso, compartilhem essa informação, pois precisamos somar esforços! ;)
Gostou desse texto e ainda não leu os anteriores? Acompanhe e leia os outros números aqui!
Minhas redes sociais: twitter | bluesky | instagram | facebook |
Um pouco mais sobre mim
Sou doutor em História pela PUC-SP e defendi minha tese em 2022. Também sou músico nas horas vagas e fiz um disco que é quase uma trilha-sonora pra Santos, minha cidade natal. Se quiser ler meus textos acadêmicos, reúno eles aqui.
Thank you for reading Bruno’s Substack. This post is public so feel free to share it.